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“Boi de Prata”: a política de regionalização da produção da Embrafilme e a ideia de Terceiro Mundo

Flávia Assaf

Em 1976, a Embrafilme instituía a política de regionalização da produção, antiga reivindicação de diretores e outros profissionais de cinema. Por esse programa, polos de produção deveriam ser implantados nas unidades da Federação com o apoio dos governos estadual e municipal, favorecendo a profissionalização da mão de obra local, como atores, cenógrafos, maquiadores, cinegrafistas, técnicos de som, entre outros.

Os dois primeiros Estados da União contemplados com contratos com a Embrafilme foram Minas Gerais, com o filme “O Bandido Antônio Dó”, de Paulo Leite Soares, e o Rio Grande do Norte, com o filme “Boi de Prata”, de Carlos Augusto da Costa Ribeiro Júnior.

Ribeiro Júnior nasceu em Caicó, no sertão do Seridó, cidade a 282 km da capital Natal, em 1948. Em 1961, mudou-se com a família para Brasília, onde, a partir de 1970, estudou Cinema na UNB. Quando o curso de Cinema da UNB foi fechado por intervenção do governo ditatorial dos militares, no ano de 1972, Ribeiro Júnior e outros alunos, como Tizuka Yamazaki e Nuno César Abreu, foram transferidos para o curso de Cinema da Universidade Federal Fluminense, criado por Nelson Pereira dos Santos depois de sua saída da UNB, no ano de 1968, após a primeira invasão das Forças Armadas à Universidade de Brasília. Ribeiro Júnior terminou a graduação em Niterói e iniciou sua vida profissional no Rio de Janeiro como assistente de Nelson Pereira.

Em 1976, na esteira da política de regionalização da Embrafilme, iniciou as tratativas para a produção de um filme roteirizado e dirigido por ele, cuja produção seria custeada por um convênio entre o Governo do Estado do Rio Grande do Norte e a estatal de cinema. Em 1978, o contrato de coprodução e distribuição foi assinado entre o diretor e roteirista, a produtora Cine TV e Audiovisual e a Embrafilme, com a interveniência do Governo do Estado do Rio Grande do Norte. Entre novembro desse ano e fevereiro de 1979 foram realizadas as filmagens nas cidades de Caicó e Natal.

“Boi de Prata” é ambientado na zona rural de Caicó, onde Eloy Dantas, filho de família latifundiária da cidade, ao retornar de uma temporada de estudos na Europa, quer implantar uma empresa de mineração. Um grande veio do mineral –scheelita– passa por dentro das terras de Manoel Vaqueiro, pequeno proprietário que se nega a vendê-las a Eloy. É a partir da tensão envolvendo esse antigo problema nacional –as questões de terra e a violência que delas advém– que o filme se desenvolve.

No filme, os moradores da zona rural de Caicó, organizados em torno da apresentação do Boi Calemba –como é chamada a manifestação do folguedo do boi no Rio Grande do Norte–, enfrentam as forças do capitalismo e criam, pela via da cultura, a solução para o problema político.

“Boi de Prata” foi montado por Severino Dadá e Jussara Queiroz, com trilha e efeitos sonoros realizados por Mirabô Dantas, em 1980. No ano seguinte foi exibido para a população do Rio Grande do Norte em poucas sessões, mas nunca teve uma temporada comercial, como estava previsto no contrato de distribuição da Embrafilme, por razões até hoje não esclarecidas.

O diretor tratou nessa película de questões essenciais para a intelectualidade da época, como a visão política dos que acreditavam na união dos povos do Terceiro Mundo para reverter os grandes males causados pelo colonialismo, entre eles, o latifúndio e o menosprezo pelos povos tradicionais.

Unindo forma e conteúdo, Ribeiro Júnior conseguiu realizar um longa-metragem no pequeno Estado do Rio Grande do Norte no final da década de 1970, usando atores, figurantes e técnicos nordestinos, contribuindo sobremaneira para a formação e o aprimoramento de profissionais da região Nordeste, que iriam seguir carreira no cinema do Brasil e do exterior por muitos anos, como foi o caso do diretor de fotografia Walter Carvalho, do maquiador Amaro Bezerra, da montadora Jussara Queiroz, entre outros.

 

*Flávia Assaf é produtora de audiovisual, mestra em História pela UFRN e responsável pela localização e digitalização da única cópia em película de “Boi de Prata” de que se tem conhecimento, cedida pela Cinemateca do MAM-RIO.

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